12 de abril

Kadi Medeiros
3 min readApr 12, 2023

Oi, pai. Faz tempo que não te escrevo.

Esses tempos ouvi uns áudios que tu me enviou no whats. É engraçado, porque não parece que tu não tá mais por aqui. É como se tu tivesse voltado a morar em Porto Seguro, sei lá — e eu sou péssima em ser filha à distância.

Faz tempo que não te escrevo. Penso em ti o tempo todo, e talvez tu saiba disso, mas venho falhando em colocar tudo isso em palavras.

Justo eu.

É que eu não sou muito boa em ser filha à distância. Aliás, obrigada por ter me obrigado a te ver (quase) toda semana por tantos anos. Não que tu tenha realmente me obrigado, só chantageado bastante, me comprado um pouquinho, facilitado completamente.

Eu não seria a pessoa que sou hoje.
Eu não carregaria tanta saudade.

Tu percebeu que foram tantos anos assim? Esses tempos eu quis contar pro Rafael sobre como isso começou e me perdi, fui voltando mais e mais no tempo, quando vi tava em outra vida. Outras pessoas: eu e tu.

Venho querendo te contar, Porto Alegre anda super legal.

Revitalizaram a orla e eu obviamente tenho mil ressalvas com o projeto — tu discordaria de todas, mas agora a gente tem um espaço que, bah, tu ia amar. Não é que seja suficiente pra matar nossa saudade de ir pra praia. Mas ameniza bastante nossa vontade de morar na praia.

Eu e o Rafa começamos a frequentar nos finais de semana.

No ano em que tu te foi, fez 60 graus no verão, a gente sentou num quiosque, pediu uma caipirinha, ficamos ouvindo o som da água interrompendo o samba que tava rolando, e eu chorei. Chorei de raiva de tu não ter ficado com a gente tempo suficiente pra ter ido com a gente.

Eu nem sei se ia conseguir te tirar de casa, mas sou suficientemente tua filha pra ter a prepotência necessária pra achar que eu ia dar um jeito.

Pouco a pouco, eu e o Rafa começamos a agregar a orla à nossa rotina.

A gente tá morando mais perto agora. A gente reaprendeu a pedalar. Tá, a verdade é que a gente realmente nunca esquece, e eu não quebrei nada subindo numa bike, nem o cóccix, nem a dignidade. Nos últimos dias, temos aproveitado o intervalo de almoço pra aproveitar o som da água interrompendo o silêncio.

Porto Alegre me tem de novo, e eu meio que não tenho mais aquele desespero pra sair daqui. A gente tá curtindo a cidade, sabe?

Fizeram um shopping na frente do Barra, como se a gente precisasse de mais shoppings, mas tem uma prainha bonita por ali, e às vezes a gente arranja um tempinho, pedala até lá e volta.

Às vezes a gente fica pela nova pista de skate, às vezes vai até o Gasômetro. Às vezes a gente pega uns smoothies, às vezes toma um chopinho. O Rafael ficou amigo do dono de um bar (quase nem me lembra tu) e às vezes a gente pega umas cervejas diferentes.

Às vezes eu choro ainda.
Normalmente quando a gente bebe. [Aqui eu sei que a gente ri, eu e tu]

Faz tempo que eu não te escrevo. Decidi criar vergonha na cara porque hoje é teu aniversário de mudança. Faz dois anos que tu foi morar em Porto Seguro — ou, sei lá, no Caribe, tanto lugar pra ir, né — e eu achei de bom tom mandar um olá.

Tu provavelmente vai responder de alguma forma. Algum áudio com os primeiros quatro segundos em silêncio que por muito tempo me fizeram conferir se tava tudo certo com o celular. Algum vídeo constrangedor, com uma piada muito ruim, alguma imagem brega motivacional com inclinação religiosa. Algum sinal que eu certamente vou ignorar porque morro de medo de assombração.

Perdoa. É que eu não sei muito bem ser filha à distância.
Mas eu sinto tua falta, tá? Aqui, bem pertinho.

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