Espero que a morte o encontre vivo
pela janela entrecerrada ouço os risos das crianças saindo da escola entre assovios e sons de boca-mão-boca
que indiozinhos mais lindos, ouço uma voz idosa dizer
isso não é muito politicamente correto, responde uma voz adolescente
[entre o conservador e o revolucionário, o que nos resta?
[o que somos nós neste entre-idades?
19 de abril
conto o tempo por eventos
a rua me conta o que desanimo em contar
conta-me o tempo por eventos da rua
não diferencio as horas
na horizontal, as horas não parecem passar
dia desses decidi comer
ontem tentei pedir um delivery, mas
aparentemente
eram 4 da manhã
diferencio os dias pela fraca luminosidade
que entra pelas frestas da persiana que não abro
mas não fecha direito
ouço a vida lá fora
ouço a vida porque a rua me conta o que acontece enquanto existo
conta-me da vida que acontece lá fora
pelas frestas
conto as batidas na porta
toc toc toc
toc toc toc
são sempre leves, como as de uma conhecida, acostumada à casa
acostumada à visita
e ela entra sem aguardar resposta
olha de um lado a outro
analisa o quarto
me evita
conto o tempo por eventos
porque a rua insiste em me contar da vida que acontece lá fora
e entra pelas frestas da janela que me encerra neste quarto
ela assiste
me encara, olhos nos olhos
“nada pra fazer aqui”
mais uma vez, desiste de mim
e vai embora
.
.
.
kadimedeiros
28.03.2024